Em sua 72ª grande estiagem, Nordeste ainda luta por políticas de convivência com o sertão e vê erros históricos

Falar em seca no Nordeste não é novidade para o
sertanejo. As secas são conhecidas, no Brasil, desde o século XVI. Em
512 anos de Brasil descoberto por portugueses, o semiárido nordestino chegou a
72ª grande estiagem, segundo relatos históricos da ASA (Articulação do
Semiárido).
No Nordeste, de acordo com registros históricos, o
fenômeno aparece com intervalos próximos a dez anos, podendo se prolongar por
períodos de três, quatro e, excepcionalmente, até cinco anos. A seca, portanto, não apenas é previsível como obedece a um ciclo físico perfeitamente regular. A pior veio em 1877. Arreganhou sua carranca braba nos céus do sertão e ceifou a vida de 57.000 nordestinos. Quando soube da tragédia, diz a História que dom Pedro II chorou.
A seca se manifesta com intensidades diferentes. Depende do índice de
precipitações pluviométricas. Quando há uma deficiência acentuada na quantidade
de chuvas no ano, inferior ao mínimo do que necessitam as plantações, a seca
é absoluta. Em outros casos, quando as chuvas são
suficientes apenas para cobrir de folhas a caatinga e acumular um pouco de água
nos barreiros e açudes, mas não permitem o desenvolvimento normal dos plantios
agrícolas, dá-se a seca verde.
Trata-se de um fenômeno ecológico que se manifesta
na redução da produção agropecuária, provoca uma crise social e se transforma
em um problema político. As consequências mais evidentes das grandes secas
são a fome, a desnutrição, a miséria e a migração para os centros urbanos
(êxodo rural).
Nos últimos anos, a discussão sobre a redução dos impactos causados pelo
fenômeno natural vem passando por uma mudança de conceito. Em vez de se
falar em políticas de combate à seca, a ideia agora é desenvolver projetos de convivência
com o clima do semiárido, o que é apontado como a solução para o drama
sertanejo.
É difícil resolver algo a partir de pressupostos
equivocados. A principal dificuldade que o País enfrenta está no próprio
enunciado, no enfoque de combate à seca. Um fenômeno climático sistemático não
é para ser combatido. Alguém imaginaria combater o gelo na Sibéria? Deve-se,
sim, criar melhores condições de convivência com ele.
Além do erro no conceito usado por décadas, muitos
argumentos são usados por especialistas para explicar o fracasso nas políticas
de enfrentamento à seca, que voltou a castigar com força o sertão nordestino
este ano. A falta de obras, o uso político, os “pacotes milagrosos” e a
corrupção nos órgãos criados para atuar no combate aos efeitos da estiagem
prolongada são algumas das explicações.
O mais importante com relação a esse problema é que
existem técnicas adaptadas às condições do Semiárido. O renomado agrônomo
cearense Guimarães Duque, por exemplo, desenvolveu um método para a agricultura
de sequeiro que foi objeto de muitas homenagens, mas pouca ação para colocá-lo
em prática.
E também, ao contrário do que se pensa e se
divulga, existe água suficiente no Nordeste. Só que, pelo modelo econômico do
latifúndio e do capitalismo tropical, a água também é pessimamente distribuída. Concentração
de renda, concentração de terras, concentração do controle das águas, eis os
pressupostos da tragédia que se renova.
Falta não apenas a
vontade política mencionada. É necessária também a
permanente mobilização popular. Enquanto o povo nordestino aceitar passivamente
a perpetuação de práticas assistencialistas e do clientelismo que assume novas
formas, mas mantém sua essência no trato da estiagem, o quadro dantesco se
repetirá. Enquanto a solidariedade pontual e os bálsamos emergenciais
continuarem a prevalecer, nada vai mudar de verdade.
FONTE: CARLOS MADEIRO/UOL Notícias; FERNANDO LYRA/Carta Capital; LÚCIA GASPAR/Fundaj; ANA PESSOA et al./Veja