Para técnicas, transposição através de adutora é a solução mais viável, se comparada à proposta da Cogerh. "Do ponto de vista técnico a execução de uma adutora é favorável, pois garante a condução segura e total da água até o açude carnaubal, evitando elevadas perdas (infiltração e evaporação) e conflitos, ao contrário da condução da água ser realizada naturalmente pelo recurso hídrico", dizem profissionais independentes.
TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO AÇUDE FLOR DO CAMPO PARA O AÇUDE CARNAUBAL EM CRATÉUS
TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO AÇUDE FLOR DO CAMPO PARA O AÇUDE CARNAUBAL EM CRATÉUS
Joice Elias de França
Tecnóloga em Saneamento Ambiental. CREA: 46274
Joana Darc Albano Bezerra
Tecnóloga em Saneamento Ambiental
PROBLEMATIZAÇÃO
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| Açude Flor do Campo, Novo Oriente-CE |
O Nordeste possui, há mais de um Século, um órgão específico para ações contra a seca, hoje denominado DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), onde uma de suas finalidades é o beneficiamento de áreas e obras de proteção contra as secas e inundações. Será que 104 anos de estudos, obras e investimentos não foram suficientes para suprimir esse mal que ataca os nordestinos? Aqui surgem vários questionamentos. Será que a política adotada contra a seca é eficaz? Ou será que os investimentos não estão sendo suficientes?
Hoje as regões dos Sertões de Crateús e dos Inhamus, notadamente o Município de Crateús, flagela-se para economizar os últimos 147.000 litros de água presentes no açude que abastece a área urbana do município. Em se falando de perdas na área rural, a situação é mais crítica ainda, o agricultor e o pecuarista choram desde o começo do ano com as perdas de suas lavouras e dos seus rebanhos. Seus pastos viraram cemitério de animais que não sobreviveram à seca.
Isso não é novidade para os órgãos gestores, ainda em 2012 a Secretaria de Negócios Rurais, EMATERCE e a FUNCEME calcularam que até Maio deste ano a perda da safra era superior a 90% (PREFEITURA MUNICIPAL DE CRATEÚS, 2012). Nesse mesmo mês a Prefeitura Municipal decretou por meio do instrumento jurídico n° 599 de 02 de Maio de 2012, situação de emergência.
Sabe-se que a Seca não é culpa de ninguém e é algo imprevisível. Mas o que causa indignação aos 72.812 habitantes da área urbana e rural de Crateús é o descompromisso por parte do poder público para solucionar o problema. Em 19 de Novembro de 2012 o Governo do Estado do Ceará institui o Decreto n° 31.053 declarando a situação de emergência ou estado de calamidade pública de 174 municípios devido ao período de estiagem, dentre estes Crateús. Desde então espera-se ações em resposta a esse decreto.
Então conclui-se que não é algo novo, pois desde 2012 percebe-se a situação crítica que esse Município estava passando. O que foi feito como medida preventiva para 2013, 2014 ou, sabe-se lá, 2015? As sugestões e iniciativas apresentadas até o momento são meramente paliativas e emergenciais, o racionamento é uma delas, conforme dados da CAGECE, o consumo mensal é 220 mil metros cúbicos por mês. Até quando a população urbana de Crateús terá que consumir em média sete mil metros cúbicos de água por dia, ou menos de 1 litro/hab./dia?
Nessa ocasião a única situação viável encontrada pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) e apresentada com estima e sabedoria é a transposição da água do Açude Flor do Campo, localizado no Município de Novo Oriente, para o Açude Carnaubal, em Crateús.
Um encontro realizado em junho de 2013 contou com representantes do Ministério Público Estadual e das prefeituras de Crateús e Novo Oriente. Com o objetivo de esclarecer o projeto de transposição das águas, o Presidente da Cogerh, Francisco Rennys Aguiar Frota, acompanhado pelo Secretário dos Recursos Hídricos – SRH, Cesar Pinheiro, abriu a reunião apresentando detalhes do projeto de transposição e enfatizou que o mesmo não trará qualquer tipo de prejuízo para os municípios envolvidos, já que, de acordo com o estudo técnico realizado pela Companhia, nesta operação será liberado o volume de 7 milhões de m3 a partir do açude Flor do Campo e que, deste montante, cerca de 65% chegue ao açude Carnaubal, em torno de 4,5 milhões de m3, suficiente para garantir o abastecimento de Crateús até fevereiro de 2014 e para manter uma reserva no açude Flor do Campo suficiente para abastecer o município de Novo Oriente até dezembro de 2014, mesmo na hipótese de ocorrência de reduzida precipitação nesta região na quadra chuvosa de 2014, comparável à seca de 2012 (PREFEITURA MUNICIPAL DE CRATEÚS, 2012).
Ressalta-se que essa proposta de transposição seria pelo recurso hídrico que interliga os dois açudes, sofrendo infiltração e evaporação ou, ainda, a utilização dessa água para consumo da população ribeirinha ao longo desses 42 km que interligam os açudes. Conforme a mesma o montante de água perdido por esta ação é de 2,5 Milhões de metros cúbicos. Ora, qualquer pessoa entende que esse não é o momento para se desperdiçar uma quantidade tão grande desse recurso “finito” na região. Levando-se em conta o dado da CAGECE referente ao consumo médio mensal atual da população de Crateús, calcula-se que esses 2,5 Milhões dariam para abastecer mais de 11 meses essa mesma população nessas mesmas condições. Então, será que esta é mesmo a solução mais viável e adequada?
Lembra-se ainda que nessa proposta foi observado que a reserva restante do Açude Flor do Campo é capaz de abastecer o Município de Novo Oriente durante o ano de 2014. E se esse cenário de estiagem prolongar-se por 2014, o que será feito para abastecer Crateús? Vamos esperar para saber?
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| Figura 1: Escavação dentro do rio. |
A COGERH como justificativa de desassoreamento do rio que interliga os dois açudes, está fazendo escavações, que caracterizam impacto a este recurso e a flora local (Figuras 1 e 2). Baseado em qual estudo a cogerh tem a autonomia para alterar as margens desse recurso? O órgão Estadual responsável está ciente? A Lei Federal n° 12.651 de 25 de Maio de 2012 caracteriza essa área como de Preservação Permanente, na qual requer cuidados quando refere-se à intervenção na mesma.
Diante da problemática apresentada a População dos dois municípios envolvidos clamam por uma solução adequada, que não prejudique os recursos naturais, que não haja desperdícios e que tenha efeito em escala temporal. A proposta de transposição é eficaz, desde que, feita com estudos detalhados, seriedade e compromisso. Sugere-se que a solução mais viável, se comparada à outra proposta, para realizar a transposição é através de uma adutora. Do ponto de vista técnico a execução de uma adutora é favorável, pois garante a condução segura e total da água até o açude carnaubal, evitando elevadas perdas (infiltração e evaporação) e conflitos, ao contrário da condução da água ser realizada naturalmente pelo recurso hídrico.
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| Figura 2: Escavações para desassoreamento. |
Nesse momento sugere-se parceria entres instituições a fim de determinarem respostas eficazes à questão. A COGERH, a Secretária de Recursos Hídricos, o DNOCS, a CAGECE, juntamente com as prefeituras e o Governo do Estado devem recrutar seus técnicos, solicitar propostas técnicas cabíveis. Recomenda-se um estudo hidro geomorfológico, proporcionando o entendimento do cenário de previsão do ajuste, evolução do rio e sistema fluvial em escala de bacia; sondagens no lençol freático da bacia hidrográfica, identificando reservatórios subterrâneos aptos para exploração por meio de poços, onde estes serviriam de complemento para a contribuição de água fornecida pela adutora.
Ressalta-se que a construção da adutora não é um benefício apenas imediato, pois a mesma possui um longo tempo de vida útil e pouca depreciação. A implantação da adutora é caracterizada nessa situação como emergencial e preventiva para futuras secas, visto que o Nordeste possui essa peculiaridade.
A proposta de transposição de água é fidedigna nesse momento de carência do recurso, atendendo as premissas da Politica Nacional de Recursos Hídricos, lei Federal n° 9.433 de 1997, em que em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.
Ressalta-se que nos Fundamentos desse instrumento legal (capítulo I, artigo 1° e inciso VI), a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades, portanto, qualquer tipo de sugestão, manifestos ou duvidas devem ser relevantes.
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CRATEÚS
O município de Crateús - CE tem uma população urbana de 52.644 e rural 20.168 habitantes (IBGE, 2010). O abastecimento de água é feito pelo açude Carnaubal (a 13,6 km da cidade) que tem capacidade para reservar 82 milhões de m³ de água. Atualmente o açude conta com 0,18% de sua capacidade, o que equivale em média 147 mil m³ de água (COGERH, 2013).
A tabela 1 a seguir apresenta um levantamento do volume armazenado durante o último ano (Julho/2012 à Junho de 2013), mostrando o comportamento do açude em dois períodos. Percebe-se que nos meses de Janeiro à Maio, período de chuva, não houve aumento no volume de água, somente uma drástica redução, caracterizando um período de estiagem. Se analisarmos o período de Julho à Dezembro, verifica-se um grande índice de redução de volume, passou de 24,70 para 3,12%. Levando essa perspectiva de consumo para esse mesmo período desse ano com o volume atual do Carnaubal, há de se haver uma grande preocupação por parte da população de Crateús, assim como, principalmente do Poder Público.
Tabela 1:
Levantamento anual do volume armazenado de Julho/2012 à Junho de 2013.
Data
|
Volume %
|
Volume m3
|
Redução Mensal
|
Redução Mensal M3
|
01/07/2012
|
24,70%
|
20.254.000,00
|
||
25/07/2012
|
22,55%
|
18.491.000,00
|
2,15%
|
1.763.000,00
|
25/08/2012
|
19,04%
|
15.612.800,00
|
3,51%
|
2.878.200,00
|
25/09/2012
|
15,63%
|
12.816.600,00
|
3,41%
|
2.796.200,00
|
25/10/2012
|
11,37%
|
9.323.400,00
|
4,26%
|
3.493.200,00
|
25/11/2012
|
4,12%
|
3.378.400,00
|
7,25%
|
5.945.000,00
|
25/12/2012
|
3,12%
|
2.558.400,00
|
1,00%
|
820.000,00
|
25/01/2013
|
2,18%
|
1.787.600,00
|
0,94%
|
770.800,00
|
25/02/2013
|
1,52%
|
1.246.400,00
|
0,66%
|
541.200,00
|
25/03/2013
|
1,28%
|
1.049.600,00
|
0,24%
|
196.800,00
|
25/04/2013
|
0,97%
|
795.400,00
|
0,31%
|
254.200,00
|
25/05/2013
|
0,01
|
475.600,00
|
0,39%
|
319.800,00
|
25/06/2013
|
0,00
|
147.600,00
|
0,40%
|
328.000,00
|
Fonte: COGERH, 2013
OBJETIVOS
O Objetivo principal do Sistema Adutor a ser proposto é garantir a condução segura de água bruta do açude Flor do Campo ao Açude Carnaubal a fim de suprir o abastecimento de água da população de Crateús até fevereiro de 2014.
CONCEPÇÃO DA ADUTORA
As bacias Poti-Longá situam-se na porção ocidental do Ceará. Limitam-se a leste com as bacias do Acaraú, Banabuiú e Coreaú e ao sul com a sub-bacia do Alto Jaguaribe. Esta bacia é parte integrante da bacia do Parnaíba, localizada no estado do Piauí (INESP, 2009). Por se tratar de uma bacia integrante à bacia de outro estado enseja-se foco por partes dos órgãos integrantes do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, cabendo ao mesmo promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários.
O rio Poti, principal rio desta bacia no Estado do Ceará, abrange a parte sul da Bacia. Nasce no Ceará e escoa para o Piauí, possuindo aproximadamente 192,5 km de extensão e tendo como principal afluente o rio Macambira. Já o rio Longá, localiza-se na porção norte da bacia e escoa no sentido leste-oeste. A Bacia drenada pelos dois rios, em conjunto, cobrem uma área de 16.761,78 Km2, o equivalente a 12% do território cearense.
No Pacto das águas da bacia Poti-longá de 2009 já foi considerado como um dos principais sistemas de transferência por leito perenizado dessa bacia o trecho entre os dois açudes em questão (Figura 3).
O ponto de captação está localizado no Açude Flor do Campo, que está inserido na bacia Poti-Longá na cota 343,34 m, a ser executado no Município de Novo Oriente - CE. Apresenta Capacidade total de 105 Milhões de m3 e hoje conta com uma reserva de 15.592.500,00 m³, ou seja, 14,85% da capacidade total (GOGERH, 2013).
A linha adutora se estenderá em média 42,00 Km a partir do ponto de captação até o açude Carnaubal na cota 288,79m, se desenvolvendo ao longo das margens dos afluentes do rio Poti. As condições favoráveis da topografia do terreno permitirão um traçado da adutora sem muitos ajustes, em alguns trechos por conduto livre sem necessidade de recalque, visto que, o ponto de captação está em uma cota maior que o ponto de recebimento.
Em um projeto de Adutora geralmente analisa-se os seguintes fatores: Vida útil da obra; evolução da demanda da água; custo da obra, flexibilidade na ampliação do sistema e custo da energia elétrica. Em relação à vida útil da adutora é em média 50 anos para tubos de fibra de vidro impregnado em resinas, 25 anos para tubos PVC DeFoFo e Ferro Fundido (FoFo), concluindo-se que é uma ação com benefícios prolongados. A evolução da demanda da água vai depender dos usos e objetivos que essa adutora pode gerar.
No estudo de concepção já pode incluir a possibilidade de ampliação dessa adutora ou interligação com outros açudes dessa mesma bacia hidrográfica.
Em relação ao custo com energia elétrica, de inicio não se vê como um risco para a aprovação do projeto, pois, como foi destacado anteriormente, a topografia favorece a adução por gravidade. Pode-se ainda estabelecer um plano de período de funcionamento. Consiste em dividir a adução por períodos. Por exemplo, a adução por gravidade, que não gera custos, pode ser durante 24 horas. Já a adução por bombeamento ser apenas nos períodos considerados fora da ponta, ou seja, o período de horário com menor custo por Kw/h, compreendido entre 20h:30min à 17h:29min (COELCE,2013).
Com extensão de 42,00 km, o sistema poderá fazer a adução através de tubulação de ferro fundido (FoFo), PVC DeFoFo ou fibra de vidro impregnado em resinas de poliéster (PRFV), onde a escolha é a partir de tais aspectos:
- Condição de funcionamento hidráulico;
- Pressão interna e durabilidade do material face às características do solo;
- Cargas externas;
- Natureza da água transportada;
- Custo.
Há a necessidade do dimensionado um sistema de bombeamento com potência adequada que garantirá uma pressão favorável para que a água chegue em boas condições de vazão.
Sugere-se que a adutora seja enterrada, quando possível, para que evite danos ou uma maior depreciação por efeitos naturais. A escavação das valas deve ser mecânica, maximizando a produção de escavação e assentamentos dos tubos. Pode-se ainda fazer a escavação por trechos com várias equipes de trabalho.
A escavação de valas é um serviço muito comum, caracterizando-se por ser uma escavação provisória, onde a vala é aberta, a obra é executada e a vala novamente aterrada. Além disso, é uma escavação linear e normalmente de baixa profundidade, cuja largura total pode em alguns casos ser obtida com uma única passada da caçamba da escavadeira.
A produtividade horária média desse serviço varia de 100 a 240m³/h, dependendo das condições de serviço e do tipo de solo (CARDOSO, 2002). As escavações com retro são bastante simples de serem executadas, sobretudo no caso da largura da vala ter exatamente a largura da caçamba. Isso permite com que o equipamento fique alinhado com a escavação, depositando o material ao seu lado.
No decorrer dos serviços a fiscalização competente deverá atentar para os padrões exigidos, a fim de garantir a segurança e o bom andamento da obra, sem retrabalhos, o que gera custos e desperdício de tempo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 9.433 de 8 de Janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos.
BRASIL. Lei Federal n° 12.651 de 25 de Maio de 2012, que institui o Código Florestal.
CAGECE – Manual de Encargos de Obras de Saneamento – Agosto de 2004.
Cardoso, Francisco Ferreira. Serviços de Escavação: Equipamentos e aspectos executivos. Fevereiro/2002. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil. Acessado em: http://pcc2435.pcc.usp.br/pdf/servicos_escavacao.pdf
CEARÁ. Decreto Estadual nº 31053 de 19 de novembro 2012. http://crateus.ce.gov.br/capa/?p=16842. Acessado em 28/06/2013
COELCE. https://www.coelce.com.br/paraseusnegocios/alta-tensao/perguntas-e-respostas.aspx#. Acessado em 28/06/2013.
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos – COGERH. http://www.hidro.ce.gov.br/. Acessado em: 26/06/2013.
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS. http://www.dnocs.gov.br/. Acessado em: 27/06/2013.
INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DO CEARÁ. – INESP. Caderno Regional Das Bacias Poti-Longá. Fortaleza, 2009.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=23&dados=21. Acessado em 26/06/2013.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CRATEÚS. Decreto Municipal n° 599 de 02 de Maio de 2012.



