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sábado, 5 de outubro de 2013

O choro dos subjugados

Elias de França

Sou dos que choram por qualquer cena piegas de novela. Mas um certo filme me levou a lágrimas sem par: alegria, euforia, frenesi... indecifrável. Era “Sob fogo cerrado”, contava a saga da revolução sandinista da Nicarágua, o drama dos guerrilheiros em impossível luta diante das tropas de “Tacho” E quando o povo começava a acreditar na vitória, o líder Rafael é assassinado. Jornalistas forjaram, então, a notícia de que Rafael vivia, através de uma foto do cadáver, devidamente “ressuscitado” por maquiagem. O povo creu novamente e lutou, e venceu. A festa foi na praça, as bandeiras, os guerrilheiros, os gritos roucos, os risos desdentados...

Júnior, presidente do Sindicato dos Servidores e
Socorro Pires, presidente do Sindicato dos Professores
FOTO: Alex Melo
Quando vi o filme, a revolução já perecia, Daniel Ortega perderia a eleição para os representantes do império ianque, mas não me importava: senti-me dentro daquela praça festejando a concretização das minhas próprias utopias frustradas. Chorei. A emoção não era pelo que foi, mas pelo que seria para aquele povo.

Choraria novamente depois, no inicio dos anos 1990, dentro de um fuzuê, a Assembleia Legislativa do Ceará, no ocaso da perversa Era Tasso. Dirigente do meu sindicato, costumávamos ir àquela casa, encher as galerias para vaiar o rolo compressor do governo aniquilando impiedosamente nossos direitos. Eles nem ligavam, debochavam, até, de nossa indignação, diziam: “podem vaiar, mas vão sair daqui sem nada com o rabo entre as pernas!” 

Mas daquela vez foi diferente. O todo poderoso já não podia tanto e a bancada opressora, vendo que perderia a votação, se apressa em recolher as pastas debaixo do braço e sair às carreiras do plenário, agora eles com o rabo entre as pernas, para delírio nosso. Não ganharíamos nada com aquilo, pois nossos pleitos dependiam de mensagem de inciativa do executivo, mas eram os sinais da decadência de uma tirania. As lágrimas foram tantas que lavaram nossas almas.

Ontem, em Crateús, o governo municipal foi derrotado na votação de um projeto que mudaria o regime de trabalho dos servidores. Como nós uma década e meia antes, a massa a ser amassada eram servidores públicos. Não havia certezas, pois sabe-se bem: eles não costumam pôr em pauta quando não estão certos da vitória. Mas o povo foi lá, ao menos para vaiar a bancada governista aniquilando impiedosamente o seu fundo de garantia e sua promessa de aposentadoria. Lá dentro, o cenário todo invertido: a ameaça tinha as cores dos defensores de antes. E os defensores de agora, as siglas das ameaças de outrora. Mais incertezas. 

De repente, a rosa dos ventos do Chico Buarque sopra ao inverso e “amanheceu espetáculo, como uma chuva de pétalas, como se o céu vendo as penas morresse de pena e chovesse o perdão”. Os seis de oposição se levantam, com eles três da situação... A Eva se levantou! O Toré! Até o Toré! As galerias tremem, como arquibancada num gol do time do coração. A mulher que sempre perdia chora. O presidente do sindicato senta e, mesmo sendo homem, “também chora”!

Ali, eles não ganharam nada. Tão somente se livram de perder, ao menos por este ano. No próximo exercício, este mesmo projeto ou qualquer outro pior poderá ser reapresentado. Mas eles não se importaram. Seguirão cantando sua euforia como num embalo à árdua e necessária labuta. É que nós, os escolhidos para sempre perder, os trabalhadores, os servidores públicos, os sem terra, sem teto, sem nada... vivemos uma realidade tão crua e drasticamente desnuda, que os acontecimentos, para nos emocionar e fazer jorrar lágrimas, precisam transcorrer como na realização de algum dos nossos tantos impossíveis. Quiçá seja este choro qual o de um bebê recém-nascido prenunciando vida nova, livre das velhas perversidades.
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