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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Progresso do "já teve"!


Elias de França

Primeiro, aparece nova plaquinha de vendo na fachada. Dias depois, no lugar de uma antiga edificação restam só escombros e um vácuo aterrador. A calada da noite, a falta de ações do poder público ou a desatenção de nossas vidinhas corridas servem de tapumes à demolição desenfreada. Desolação é tudo que jorra dos olhares do dia seguinte, flechando debalde o nada que vai restando das feições históricas da cidade de Crateús.

Assim já se foram o Mercado Velho, Casa dos Bonfim, várias outras edificações residenciais do centro da cidade, as praças, infinitamente reformadas... Por último, até o Clube Caça e Pesca amanheceu escombros, diante dos olhos de várias gerações de crateuenses, que, sócios ou não, fizeram de seus solenes pavilhões abrigo de tantas conversas e festejos prazerosos.

Os argumentos pró-demolição são os mais fervorosos: o direito de propriedade dos que podem comprar, aos custos absurdos da especulação imobiliária que assola Crateús; a modernização da arquitetura, remédio necessário ao atraso das “mentes rurícolas”; o desenvolvimento econômico, atração de grandes empreendimentos comerciais, de capitais externos, a geração de empregos, o crescimento da cidade...

É seguindo este roteiro que os arrendatários do prédio da Sociedade de Tiro Caça e Pesca tentam justificar a demolição daquele prédio, construído em 1955, há 58 anos, e o aterramento da piscina. Em meio a entusiasmadas declarações de amor ao clube, dizem estarem, assim, preservando aquela associação, salvando-a da falência e extinção, ao transformar sua sede em instalações modernas, próprias a receber “grandes eventos”.

Ora, esses argumentos subestimam a inteligência do povo. Que há de moderno em demolir edificações antigas para deixar em seu lugar espaço a céu aberto, exposto ao sol e à chuva? Que há de cultura de clube em promover grandes eventos, em detrimento dos encontros sociais nas datas festivas e do lazer familiar, com banho de piscina e toboágua, nos finais de semana? 

Nas mais modernas cidades do mundo, megaeventos têm acontecido sem carecer de qualquer estrutura edificada. Já que a questão primordial é espaço aberto para que multidões vejam a marmota de longe, ainda que por telão, basta um palco gigante montado num descampado qualquer, num aterro, num estádio de futebol ou terreno baldio amplo e está feita a festa. Banheiros, camarins, estruturas eletrônicas, tudo se monta e desmonta, de forma rápida e prática, em algumas horas. Nem mesmo muros precisam se construir, pois em pouco tempo se erguem eficazes cordões de isolamento para cobrança de ingressos. Conforto ao povo não tem importado. As multidões se amontoam de qualquer jeito – em cima do chão e debaixo do céu – para ver e devorar o que vier. Tem sido assim no Aterro de Iracema, em Copacabana, no raio que o parta. Crateús não precisa de mais um espaço a céu aberto para sediar mega-shows comerciais. Se a questão é esse tipo de recinto, já existe o Estádio Juvenal Melo, o Parque Planalto e tantos descampados de nossas terras peladas. 

A demolição do prédio do Caça e Pesca representa, isto sim, a pá de cal na já cambaleante sociedade recreativa que toda a nossa gente conheceu e com quem conviveu saudavelmente nos últimos 58 anos. Será o enterro do que ainda resta em memórias das festas sociais, dos carnavais de clube, dos blocos, batuques, micaretas, natais, reveillons, que animaram a alma festiva dos crateuenses durante décadas. E para lamento de todos, será o fim de mais um prédio antigo desta cidade, que a cada dia se desfigura mais com a destruição de seu semblante histórico. 

Resta a nós, os saudosistas “das antigas”, os sócios, apostarmos na mobilização dos crateuenses de bom senso que guardam relação de amor verdadeiro para com suas raízes e memórias, para que, juntamente com o Ministério Público Estadual, consigamos sustar a destruição e exigir a reconstrução dos pavilhões da sede da Sociedade de Tiro Caça e Pesca. Que venha o desenvolvimento sim, mas não esta sanha predatória e especulativa que a tudo destrói, ignorando a consciência histórico-cultural do nosso povo.
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