Em alguns países, abuso de medicamentos é uma ameaça maior que o de drogas ilegais. Documento aponta que prevalência do abuso de cocaína aumentou particularmente no Brasil, que também serve de rota do narcotráfico internacional.
Apenas um em cada seis usuários problemáticos de droga em todo o mundo – cerca de 4,5 milhões de pessoas – recebe o tratamento que ele ou ela precisa, a um custo global de aproximadamente 35 bilhões de dólares por ano, diz a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE ou, na sigla em inglês, INCB), sediada em Viena, no seu Relatório Anual para 2013, lançado nesta terça-feira (4) em Londres.
Heroína, cannabis e cocaína são as drogas mais utilizadas por pessoas que iniciam o tratamento em todo o mundo.
O presidente da JIFE, Raymond Yans, observa que o investimento em prevenção e tratamento é uma “opção de investimento” sábia, pois pode levar a economias significativas em cuidados de saúde e custos relacionados com o crime, além de aliviar o sofrimento das pessoas dependentes de drogas e suas famílias.
Cada dólar gasto em prevenção pode economizar até dez dólares em custos posteriores para os governos. O relatório da JIFE revela disparidades regionais significativas na oferta de tratamento: na África, apenas um em cada 18 usuários problemáticos de drogas recebe tratamento.
Na América Latina, no Caribe e no Sudeste da Europa, um em cada 11 usuários problemáticos de drogas é tratado, enquanto que na América do Norte esse número é de um em cada três.
O abuso de medicamentos é uma grande ameaça à saúde pública, superando as taxas de abuso de drogas ilegais em alguns países. A JIFE alertou para a ampla disponibilidade de medicamentos sob prescrição.
Há iniciativas importantes de eliminação segura de medicamentos prescritos, mas não o suficiente para combater a tendência crescente de abuso de medicamentos, causada pela ampla disponibilidade dessas substâncias, diz o presidente da JIFE . “Há uma percepção errônea de que medicamentos são menos suscetíveis ao abuso do que drogas ‘ilícitas’.”
O ambiente familiar é a principal fonte de medicamentos que não são mais necessários ou utilizados para fins médicos, posteriormente desviados para o abuso. Pesquisas mostram que uma percentagem significativa de pessoas que abusam de medicamentos obteve a droga pela primeira vez a partir de um amigo ou membro da família, que havia adquirido o remédio legalmente.
O abuso de medicamentos é uma ameaça grave e crescente para a saúde pública na América do Norte, que é a região com a maior taxa de mortalidade relacionada a drogas no mundo.
O relatório da JIFE diz que o abuso de medicamentos só pode ser resolvido se forem abordadas as causas principais da oferta excessiva, como a prática de ir a vários médicos ao mesmo tempo para conseguir mais de uma receita para a mesma substância (“doctor-shopping”), a prescrição excessiva por profissionais médicos e a falta de controle na emissão e arquivamento de prescrições.
Referências ao Brasil
O relatório possui diversas referências ao Brasil. O país está, por exemplo, entre os países que não foram capazes de enviar o relatório anual com estatísticas sobre substâncias psicotrópicas para a ONU antes do prazo de 30 de junho de 2012. O documento observa que, além disso, o Brasil está entre as nações que mais produzem, importam e exportam essas substâncias, ao lado de Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Japão, Holanda, Paquistão e Estados Unidos.
O documento aponta que há um aumento nas apreensões de cocaína na África Oriental, onde o consumo dessa droga tem sido até agora limitado. A Tanzânia relatou um aumento significativo em 2011 se comparado aos anos anteriores, sendo que a maior parte da cocaína proveniente do Brasil.
“O Brasil, com suas extensas fronteiras terrestres com todos os três principais países produtores de cocaína e um litoral extenso, além de ser um país de destino para grandes quantidades de cocaína, também oferece fácil acesso ao Oceano Atlântico para exportar drogas para a África Ocidental e Central e de lá seguir para a Europa e outros países”, aponta o item 446 do estudo.
Em 2012, a cocaína apreendida no Brasil veio em maior quantidade da Bolívia, depois do Peru e em seguida da Colômbia. As apreensões de cloridrato de cocaína totalizaram, no entanto, 19,9 toneladas, 19% a menos do que no ano anterior.
O governo do Brasil informou no relatório que o país não fabrica drogas sintéticas ilícitas. As drogas sintéticas seriam traficadas para o Brasil da Europa, muitas vezes em troca por cocaína. Em 2011, o país registrou a maior apreensão de MDMA (ecstasy) das últimas duas décadas (70 kg). Ao longo dos últimos 10 anos, a quantidade dessa substância apreendida no país era geralmente menor que 1 kg. Em 2012, o Brasil apreendeu 339 mil comprimidos de “ecstasy” e 10 mil unidades de anfetaminas.
Em 2011, uma série de países da América do Sul, incluindo Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai, fez a maior apreensão de alucinógenos desde 2007. Em 2012, as apreensões de alucinógenos, em particular o LSD, foram notificadas pelo Brasil (65 mil unidades), Chile (4.200 unidades), Colômbia (100 unidades) e Uruguai (2 mil unidades).
O problema das novas substâncias psicoativas também surgiu em países da América Latina. Há relatos de abusos de substâncias que incluem a cetamina e substâncias à base de plantas, como a Salvia divinorum, seguida de piperazinas, catinonas sintéticas, fenetilaminas e, em menor grau, os canabinóides sintéticos. O Brasil também relatou o aparecimento das substâncias mefedrona e DMMA (uma fenetilamina).
Cocaína em alta no Brasil
A maconha continua sendo a droga mais consumida na América do Sul, onde estimativas dão conta de cerca de 14,9 milhões de usuários com idades entre 15 e 64 anos no ano passado, 4,5 vezes o número de pessoas que usaram cocaína. De acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a prevalência do abuso de maconha aumentou de forma significativa na região nos últimos anos, particularmente no Brasil.
A prevalência do uso de cocaína entre a população geral da América do Sul (1,3%) no ano passado é a terceira maior do mundo, depois da América do Norte e da Oceania (1,5% cada), e é em torno do triplo da prevalência média global (0,4%). De acordo com o UNODC, a prevalência de abuso de cocaína em 2013 aumentou, particularmente, no Brasil, de 0,7% (população com idade entre 12-65) em 2005, para 1,75% (população com idade entre 16-64 anos) em 2011.
O tráfico ilícito e abuso de cocaína também aumentaram no Oriente Médio. As remessas chegam da América do Sul por vias aéreas e marítimas. No Iêmen, 115 kg de cocaína foram apreendidos de um contêiner enviado do Brasil. No Líbano, 13 kg de cocaína foram apreendidos em uma aeronave proveniente do Brasil, via Catar.
As apreensões de cocaína pelas autoridades alfandegárias na Europa Ocidental permaneceram relativamente semelhantes em 2011 (34,2 toneladas) e 2012 (35,9 toneladas), o que representa quase metade da quantidade total de cocaína apreendida globalmente pelas autoridades alfandegárias. Dentre os países que enviaram mais de uma tonelada de cocaína para a Europa ocidental estão Equador (14,4 toneladas), República Dominicana (3,2 toneladas), Brasil (2,3 toneladas), Colômbia (2,3 toneladas), Peru (2,2 toneladas), Argentina (1,5 tonelada) e Chile (1,5 tonelada).
FONTE: ONU-Brasil