Nos últimos meses, uma comissão de juristas nomeada pelo Senado se reuniu periodicamente para debater e propor uma reforma completa do atual Código Penal, aprovado em 1940. Temas polêmicos como drogas, aborto, eutanásia, terrorismo e prostituição também foram discutidos. O projeto está tramitando no Senado desde junho deste ano. Veja os principais pontos do texto do relatório final da comissão encaminhado ao Senado.
Aborto: a proposta autoriza a interrupção da gravidez até a 12a semana, desde que um médico ou psicólogo ateste que a mulher não tem condições de arcar com a maternidade. Hoje, o aborto só permitido se houver risco de vida para a mulher causado pela gravidez, se a gravidez for resultado de estupro ou se o feto for anencéfalo;
Eutanásia: o texto prevê a anistia da pena de quem desligar meios artificiais que sustentam a vida de um paciente, se houver consentimento dele ou da família, apenas se a doença for irreversível e atestada por médico. Hoje, a eutanásia é tratada como homicídio comum, com pena de até 20 anos;
Enriquecimento ilícito de servidores: servidores públicos, inclusive juízes e membros do Ministério Público, que ampliarem seu patrimônio de forma injustificável, poderão pegar até cinco anos de prisão. Hoje, a prática é punida apenas com sanções civis, como pagamento de multa, devolução do dinheiro desviado e suspensão dos direitos políticos;
Jogos de azar: o texto criminaliza a exploração de jogos de azar sem autorização do Estado, como o jogo do bicho, e isenta os apostadores de qualquer punição. Hoje, tanto o explorador como o apostador são tratados como contraventores e podem pegar até um ano de prisão;
Anistia da pena por furto: quem cometer crimes contra o patrimônio sem uso de violência, como o furto, e em seguida devolver o bem furtado poderá ser anistiado da pena, somente se a vítima concordar expressamente com a restituição. Essa hipótese não é prevista hoje pelo Código Penal.
Abuso de autoridade: a proposta eleva para até cinco anos de prisão, além da demissão, a pena para servidores públicos que abusarem de sua autoridade. Hoje, o servidor é enquadrado na Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, e pode ser condenado a no máximo seis meses de prisão.
Crimes hediondos: a comissão incluiu sete novos delitos na lista de crimes hediondos: tortura, terrorismo, tráfico de pessoas, racismo, redução análoga à escravidão, crimes contra a humanidade e financiamento do tráfico de drogas. Crimes hediondos são inafiançáveis e têm regimes de cumprimento de pena mais rigorosos. Hoje, estão neste rol: homicídio, latrocínio, extorsão com morte, extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia com resultado de morte e falsificação de remédios.
Terrorismo: pela proposta, será considerado crime 'causar terror na população', a partir de condutas como sequestrar ou mantar alguém em cárcere privado e usar, portar ou trazer consigo explosivos, gazes tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar dano. A pena vai de 8 a 15 anos de prisão. Não seriam punidas as condutas movidas por propósitos sociais e reivindicatórios, 'desde que objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. O texto também propõe revogar a Lei de Segurança Nacional, de 1983, hoje usada para enquadrar terroristas.
Organização criminosa: a proposta cria a figura da 'organização criminosa', entendida como a reunião de pessoas, em uma estrutura hierarquizada, com a presença de servidores públicos, para cometer crimes graves. A pena seria de até 10 anos de prisão. Hoje, essas condutas são enquadradas como 'formação de quadrilha', com pena máxima de três anos.
Crimes eleitorais: o texto enxuga os crimes previstos no código eleitoral, de 1965, sugere a incorporação deles no Código Penal e prevê o aumento de penas. A punição para o candidato que se beneficiar do uso da máquina pública durante o período eleitoral, que hoje é de até seis meses de prisão, passaria para até cinco anos de prisão. A compra de votos também seria punida com até cinco anos de prisão; a venda com até quatro anos. O eleitor que estiver em condições de 'extrema miserabilidade', porém, seria anistiado. Por outro lado, a proposta descriminaliza a prática de boca de urna, hoje punida com até um ano de detenção.
Crimes cometidos por empresas: a proposta prevê o fechamento de empresas que tenham cometido crimes contra a economia popular, a ordem econômica e a administração pública, como corrupção. Hoje, apenas empresas envolvidas com crimes ambientais estão sujeitas a sanções penais.
Uso de informação privilegiada: o texto pune quem utilizar informação confidencial que potencialmente podem aumentar o valor de suas ações, tem a obrigação de não a revelar ao mercado, mas a usa para obter privilégios. A pena vai de dois a cinco anos, com multa de até três vezes o valor da vantagem obtida.
Fraude em instituição financeira: a proposta prevê pena de até oito anos de prisão para o crime de gestão temerária de instituição financeira, e de até cinco anos de prisão para quem fraudar a contabilidade de instituição financeira. Também estabelece pena de até quatro anos para quem viola o sigilo de operação dos serviços de instituição financeira.
Violação de direito autoral: o texto isenta de punição por violação de direito autoral quem fizer a cópia integral de uma obra, como CD's ou livros, para uso pessoal e sem objetivo de lucro. Hoje, a conduta pode ser punida com até quatro anos de prisão.
Abandono e abuso de animais: a proposta cria o crime de abandono de animal, hoje, uma conduta não tipificada pelo Código Penal, e pune com de um a quatro anos de prisão. O texto também aumenta a pena de quem comete maus tratos contra animais para de um a até quatro anos - atualmente, a prática resulta em no máximo um ano de detenção.
Dirigir embriagado: A proposta dobra a pena por homicídio culposo quando este for provocado por alguém que dirigia veículos automotores embriagado ou participava de ‘rachas’. Nestas hipóteses, a pena mínima seria de 4 anos de prisão e a máxima, de 8 anos. O texto também cria o crime de dirigir visivelmente embriagado, dispensando a exigência do teste do bafômetro para caracterizar a embriaguez ao volante – a comprovação poderia ser feita com testemunhas, filmes, fotografias ou exame clínicos. Segundo o texto, o teste do bafômetro deixaria de ser um meio de produzir prova contra o motorista e passaria a ser um instrumento de defesa para demonstrar que ele não ingeriu álcool.
Porte de drogas: o texto descriminaliza o porte de drogas para consumo próprio. Porém, se o usuário consumir drogas em locais públicos onde haja crianças e adolescentes, continuará a ser punido com penas restritivas de direito. Hoje, o porte de drogas é considerado crime, mas é punido com penas alternativas.
Crimes cibernéticos: a proposta criminaliza a conduta de acessar indevidamente dados alheios, prevendo de seis meses a um a ano de prisão, ou multa, e prevê aumento de pena caso essa invasão cause prejuízo econômico à vítima. Também cria o crime de sabotagem informática, que seria interferir na funcionalidade de sistema informático, com pena de um a dois anos de prisão. Essas condutas não são previstas pelo Código atual.
Estupro: O código atual define como estupro qualquer ato libidinoso envolvendo violência ou ameaça, incluindo modalidades como um beijo mais lascivo, apalpadela ou esfregão. A proposta de reforma desdobra as condutas de ataque sexual em duas: o estupro seria apenas o ato sexual vaginal, anal ou oral praticado mediante violência ou grave ameaça, punido com de 6 a até 10 anos de prisão, e as outras condutas de caráter sexual menos agressivas se chamariam molestação sexual - um crime novo, que significa constranger alguém mediante violência ou grave ameaça à prática de ato libidinoso diverso do estupro. Segundo o texto, ataques em ônibus ou trens lotados não mais seriam chamados de estupro, mas de molestação sexual, e teriam uma pena de 2 a 6 anos de prisão, menor que a do estupro.
Crimes contra a honra: o texto endurece as penas para quem cometer calúnias, injúrias e difamações por meio de veículos de comunicação. No caso da calúnia, a pena passaria de dois para até três anos de prisão; na difamação, de um para até dois anos de prisão; na injúria, de seis meses para até um ano de prisão. A proposta também agiliza o trâmite desses processos, permitindo que o ofendido recorra diretamente a um cartório para cobrar explicações do ofensor, cabendo ao juiz avaliar se elas foram satisfatórias.
Prostituição: o texto legaliza as casas de prostituição e extingue a pena de até cinco anos de prisão para o proprietário local. Por outro lado, estabelece penas de até 9 anos para o dono de prostíbulo que obrigar a pessoa a se prostituir, incluindo os casos em que há dívidas envolvidas. A proposta também endurece as penas para quem explora sexualmente menores de 18 anos: hoje, só é punido quem pratica o ato, com até quatro anos de prisão. Se a proposta for aprovada, tanto quem pratica o ato como o dono do prostíbulo poderão ser condenados a até 10 anos de prisão.
FONTE: Proposta de Anteprojeto de Reforma do Código Penal/Estadão