397 municípios brasileiros sofrem com o problema. No Piauí, prefeituras chegam a gastar R$ 9 mil com equipe de plantonista que presta atendimento duas vezes por semana.
Tiago Queiroz/AE |
Nem a milagrosa cruz da matriz do morro mais alto de Santa Cruz dos Milagres, no interior do Piauí, ajuda quando a energia some e o posto de saúde fica no escuro. Distante 168 km de Teresina, a cidade tem cerca de 4 mil habitantes e integra uma lista de 397 municípios do País que sofrem de outro apagão: o de médicos. Sem hospital e só com um posto de atendimento básico, a cidade não tem profissionais residentes, recebe demanda de 40 casos diários e “importa” profissionais da capital.
“Rapaz, mande um médico da (sic) Cuba pra mim”, disse na sexta-feira o prefeito João Paulo de Assis Neto (PDT), ao lembrar que o governo federal pretende trazer médicos estrangeiros ao País. A proposta do Ministério da Saúde virou polêmica na semana passada. Assis, porém, apoia: “Fui o primeiro prefeito a pedir médico cubano”.
Para garantir atendimento em Santa Cruz, ele tem de recorrer a dois plantonistas de Teresina, que, no curto trajeto, gastam até 3 horas na estrada para trabalhar na cidade, um centro religioso nordestino.
A prefeitura gasta R$ 9 mil mensais para um médico visitar a cidade por dois dias da semana. “Imagine a economia se o médico viesse morar aqui”, questionou o prefeito. O custo é coberto pelo programa Estratégia de Saúde da Família (ESF), que repassa aos municípios pouco mais de R$ 10 mil por mês para pagar uma equipe médica itinerante.
Como um polo regional de medicina do Nordeste, que atende a demandas de saúde também de municípios do Maranhão, Teresina exporta plantonistas. Eles viajam para atender em municípios como Santa Cruz e Juazeiro do Piauí, presentes na lista de cidades sem médicos organizada pela Confederação Nacional dos Municípios com dados do DataSUS.
Precariedade. Na quinta-feira passada, em Santa Cruz, quando a luz piscou e foi sumindo até apagar, às 18h45, o cirurgião Márcio Ramísio, de 35 anos, sete deles com o estetoscópio no pescoço, apontou para o teto da sala e disse: “Como é que um médico vai querer vir para o interior desse jeito?”.
Ramísio não é de Santa Cruz. Ele até gosta da cidade e tem veneração pela religiosidade local, que atrai milhares de fiéis. “Eu mesmo, quando fiz vestibular, fiz promessa aqui para passar”, contou. Mas agora, para clinicar, ele tem de encarar a estrada e passar pelo menos uma noite da semana longe da capital onde mora com a mulher, grávida do primeiro filho.
Nessa realidade, Ramísio admite que fica difícil cooptar profissionais de saúde para a cidade. “Como eu sou da região, gosto de trabalhar no interior”, afirmou o cirurgião. Na manhã de sexta-feira, levou uma hora para chegar ao ponto de atendimento numa fazenda.
Na véspera, quando estava perto de encerrar seu primeiro dia do plantão, Ramísio e a assistente Poliana Costa ficaram, literalmente, sem energia. A luz apagou. Era o fim do expediente. Iluminado por uma lâmpada de bateria, o médico não teve outra alternativa senão deixar o trabalho para o dia seguinte.
Estado crítico. Assis não é o único prefeito a ter de buscar médicos na capital. Em Juazeiro do Piauí, a 260 km da capital, plantonistas cobrem a ausência. “Não temos nenhum médico morador”, disse a secretária de Saúde, Sulema Brito.
Formada em Enfermagem, ela assumiu o cargo em janeiro e a médica que atendia no posto saiu em março. Somente há um mês, outro profissional foi contratado, também de Teresina, para dois dias de dedicação aos cerca de 50 casos que vão ao posto atrás de ajuda.
José Antônio Cantuária, de 54 anos, clínico geral, atende em Juazeiro do Piauí duas vezes por semana. “O problema é estrutural. Tem de investir em saúde e nos médicos brasileiros”, disse. “Agora está aí essa discussão sobre os estrangeiros, cubanos.”
Cantuária diz que no Piauí há a agravante da demanda oriunda do Maranhão - o Estado tem a menor taxa de médicos para cada mil habitantes (veja mais no infográfico). Com 4,7 mil habitantes, Juazeiro tem outro plantonista, Martinho Delmiro, de Campo Maior, a 80 km.
A falta de estrutura é uma das principais reclamações da categoria. Um jovem médico, que pediu para não ser identificado, disse que, quando há qualquer problema de procedimento por causa da precariedade dos postos, um processo pode recair sobre o médico. “Quando um paciente morre, ninguém quer saber se não tinha equipamento.”
FONTE: Pablo Pereira - O Estado de S. Paulo