Moacir Soares*
A denominação
“programas” na saúde pública brasileira sempre foi sinônima de planos
temporários que se alicerçaram em circunstâncias tempestivas, como algo que
rápido se fez e rápido se desfez. A nossa Saúde Pública é pródiga desses
exemplos. Sua história é marcada muito mais por Programas de Saúde do que por
Políticas de Saúde.
Estamos testemunhando o anúncio de mais um
programa. O “Programa mais Médicos” lançado pelo Ministério da Saúde é o
assunto do momento da mídia, das categorias profissionais e do senso comum. De
pronto, sou radicalmente contra todos os itens desse pacote tão oco de
substâncias que o setor da saúde publica requer. Ao meu juízo, os problemas da
Saúde Pública brasileira não se resumem somente a falta de médicos e nem tão
pouco a mais dinheiro para construir ou reformar Unidades Básicas de Saúde.
Essa prescrição posta, ou melhor, imposta pelo
Governo Federal é um atesto de quem não conhece de perto o quadro de flagelo da
saúde pública desse país, que se encontra no degrau mais baixo da
credibilidade, do caos, da desassistência, do abandono, da falta de
financiamento digno, de suporte tecnológico, das precárias condições de
infraestrutura, de gestões ímprobas, dentre outras mazelas. Essa é a real
radiografia e o grave diagnóstico de norte a sul do país.
É triste ver que os Governos se distanciaram dos
objetivos do SUS, e por conta disso, o mesmo apresenta esse estado caótico e de
falência múltipla dos seus órgãos, porque ficou sem amparo de uma política
decente e focada nos princípios desse sistema.
Diante desse
quadro, a única medida que pode acudir em tempo a nossa saúde pública, é o
Governo Federal aplicar um choque de sinceridade e ressuscitador, com infusão
de medidas sérias em overdose e em caráter emergencial para ver se ainda
reanima esse modelo de saúde, que prometia ser um passo largo a frente e uma
política de inclusão enriquecida de alternativas inovadoras.
E por falar em programa, o “Mais Médicos” ao ser
apresentado deixou todo mundo apoplético e deve ser renegado não somente pela
categoria médica, pois é um bafafá na precisão do termo. Foram tantas
expectativas criadas, dado ao estardalhaço como foi anunciado tal pacote. Mas, como diz a máxima, “a montanha pariu um rato”, não passou de uma ação pobre e
politiqueira na sua essência.
É óbvio que recrutar médicos sem nenhuma ou pouca
proficiência na formação e no idioma, e ainda escalando-os para trabalhar a
mercê das mais precárias condições, não mudará em quase nada a combalida
assistência na saúde. Ademais, vai à contramão da política da integralidade e
da resolutividade do Sistema Único de Saúde. Sem falar dos possíveis “médicos estrangeiros”
atraídos para trabalhar nesse programa, sem proficiência do nosso idioma e de várias
doenças tropicais/regionais, o que dificultará sobremaneira um bom exame clínico,
uma boa escuta do paciente e até obter um diagnostico confiável. Será se um Ministério
da Saúde vai contratar intérpretes para os médicos que não tenham o domínio da
nossa língua? Além disso, há várias outras questões que estão sendo
negligenciadas quando se trata de contratar médicos estrangeiros sem
submetê-los ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos-Revalida. Pois, quem vai responsabilizar-se em: assinar as receitas,
solicitar exames, expedir laudos, fornecer atestado médico e atestado de óbito
dentre outras condutas próprias e regulares do exercício legal da profissão?
Nada de ufanismo, a Saúde Publica do Brasil precisa
de uma política séria e de gestores qualificados e compromissados, e não só
preocupados com estatísticas e travados pela falta de recursos. Hoje o que se
ver é uma assistência abaixo da crítica, repleta de carências e que não inspira
nenhuma confiança aos seus usuários.
O SUS foi levado pela correnteza do
desfinanciamento e pela falta de prioridade política. Hoje, mais parece uma
locomotiva movida a lenha num verdadeiro faz de conta de ações e serviços. Precisamos
salvá-lo desse afogamento, e isso deve ser um imperativo ético para todas as
classes sociais, usuárias ou não da saúde pública. Temos que honrar a história de vários
personagens que dedicaram suor, tempo e inteligência, fundidos num mesmo
propósito de se ter uma saúde pública mais humana e mais real.
*Ex-secretário de Saúde de Crateús, pedagogo, psicólogo e sanitarista mestre pela UECE e Especialista pela Escola de Saúde Pública do Ceará; MBA em Administração.