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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crateús: água "ao Deus dará"

Elias de França

“Diz que deu, diz que dá,
E se Deus negar, ô nega
Eu vou me indignar e chega,
Deus dará, deus dará”

(Chico Buarque)



E lá vamos nós de novo com essa lengalenga da falta d’água em Crateús. Os incautos dirão aborrecidos: “Ah, esse papo de novo? Está tudo bem: felizmente as comportas do açude Flor do Campo foram abertas, mesmo a desgosto dessa turminha ‘do contra’, e graças ao pulso firme de nossas autoridades não parou de jorrar água em nossas torneiras”

Nesse mister de conformismo repousam, inclusive, o gestor municipal, boa parte dos movimentos sociais organizados e a Câmara de Vereadores, que – pasmem – concedeu até título de cidadania crateuense ao presidente da COGERH “pelos relevantes serviços prestados ao município”, préstimos estes que se traduzem em indução enganosa de resultados para derrama, à força policial, em alta madrugada, da última reserva d’água que havia na região.

Duro é que o depois sempre vem, impiedoso, para repor os fatos aos seus devidos lugares. De nada adiantou a torcida e a ufania dos bajuladores de plantão que, quando a água nem começava ainda a inundar as várzeas do Açude Carnaubal, já entoavam loas e cânticos de vitória e sucesso com a operação. 

Em dados da própria COGERH (consulta em 21/11/2013), constata-se que todas as previsões do Órgão falharam. Diziam eles que dos 7.000.000m³ que passariam pelas compostas, desde sua abertura em 29 de julho, pelo menos 4,5 milhões chegariam ao destino. Mostra o posterior (01/10/2013), entretanto, que o máximo que o açude Carnaubal acumulou com a operação foi 2,452 milhões. Considerando-se os 144 mil metros cúbicos que ainda restavam no reservatório, em 11/08/2013, quando as águas transferidas começaram a chegar, deduz-se que, de fato, o resultado útil final da operação foi de apenas 2,308 milhões de metros cúbicos, ou seja, aproximadamente a metade do que a COGERH prometia. Já a perda d’agua por evaporação e absorção, que segundo o Órgão seria em torno de no máximo 30%, chegou a 67,03%, representando um desperdício de 4.692.000m³ do nosso raro e precioso líquido vital.

Outra promessa da COGERH foi que a água transferida para o Carnaubal seria bastante para suprir a demanda racionada da cidade até março de 2014, mesmo não havendo qualquer reabastecimento pluviométrico dos reservatórios. Ocorre que ainda em 20/11/2013, há 130 dias do término deste prazo, tudo que resta no Açude Carnaubal são míseros 1.539.000m³. Para aqueles que só confiam no que diz o Governo, eis um parâmetro: quando, na insistência pela construção da adutora, reunimo-nos com setores do Governo, em 12/07/2013, restavam ainda na Barragem do Batalhão 712 mil metros cúbicos, que segundo nos informaram só suportariam no máximo 30 dias de abastecimento. Se 712 mil metros cúbicos dariam apenas para 30 dias, como então o dobro disso – que é o que resta hoje no Carnaubal – vai dar para mais de quatro meses?

Dirão, por fim, os incautos: “Mas vocês, os terroristas, os ‘sem conhecimento de causa’, estão esquecendo que anos de quatro costumam ser de grandes enchentes; 2014 não há de ser diferente”. Eis, pois, a única alternativa que temos a equacionar: o calamitoso e desesperado estado de “a Deus dará”.

Se não há mais nada a fazer de ciência, de tecnologia, de gestão, de política administrativa, de obras públicas, de intervenção do homem em seu meio, convivendo, transformando e adaptando a seu favor a semiárida natureza do sertão nordestino, então sobra a reflexão, enquanto se reza e se roga à providência divina: qual o sentido de se ter prefeitos, governadores, presidentes, deputados, vereadores? Se o “ao Deus dará” já nos conforta, para que aplicar tantos recursos públicos com a remuneração dos gestores, com as máquinas estatais e, por consequência, ainda acabar bancando as vaidades pessoais dos gestores, as viagens com a sogra, as turnês pelas Europas, os estrambólicos e milionários buffets nas cozinhas palacianas, os nababescos aquários para encantar gringos, as arenas esportivas padrão FIFA, enquanto no sertão quase se morria de sede?

Seriedade houvesse nas instituições brasileiras, as autoridades constituídas deveriam ser responsabilizadas administrativa e criminalmente pela omissão na solução dos problemas causados pelas cíclicas e previsíveis secas no semiárido e pelas medidas desastrosas e irracionais que acarretassem desperdício do já raro bem coletivo, a água. E se bom inverno houver em 2014, se o sertão virar mar, nenhum crédito cabe a esses gestores. Seus nomes devem ser inscritos na história como governantes que permitiram inertes, durante quatro longos anos, a dizimação de rebanhos, a sede da população e todo o doloroso flagelo que a seca ainda causa, em pleno século XXI e diante do mais fantástico arsenal tecnológico que a humanidade já conheceu.
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