O julgamento do Agravo de Instrumento (AI) 853275 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será mais um a entrar para a história da mais alta corte do país
A ação discute a possibilidade do
desconto nos vencimentos dos servidores públicos dos dias não trabalhados em
virtude de greve. Relatado pelo ministro Dias
Toffoli, o recurso foi interposto pela Fundação
de Apoio à Escola Técnica (Faetec) contra
decisão da 16ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que declarou a
ilegalidade do desconto.
Para o TJ-RJ, o desconto do salário do trabalhador
grevista representa a negação
do próprio direito de greve, na medida em que retira dos servidores seus
meios de subsistência. Além disso, segundo o acórdão (decisão colegiada), não
há norma legal autorizando o desconto na folha de pagamento do funcionalismo,
tendo em vista que até hoje não foi editada uma lei de greve específica para o
setor público.
A não propositura da
lei regulamentando o direito de greve, conforme disposto no Art. 37, VII da CF/88, dos servidores públicos
civis ensejou a propositura do Mandado
de Injunção No 20-DF, proposto pela Confederação
dos Servidores Públicos do Brasil e
tendo como requerido o Congresso
Nacional. Este julgamento histórico declarou a mora legislativa e culminou
com decisão exortando o Congresso a propor a necessária lei.
Passados 24 anos da promulgação da Carta Magna, o cenário continua inalterado,
sem a existência de norma específica que discipline a ocorrência de movimentos
paredistas no âmbito do serviço público.
O
entendimento do TJ-RJ foi o de que, não havendo lei específica acerca de greve
no setor público, não se pode falar em corte ou suspensão de pagamento de
salários dos servidores por falta de amparo no ordenamento jurídico. “Na
ponderação entre a ausência de norma regulamentadora e os princípios do devido
processo legal e da dignidade da pessoa humana, devem prevalecer estes
últimos”, diz o acórdão.
Para o ministro relator, o
resultado da ação terá repercussão geral (efeito erga omnes): “A questão posta apresenta densidade
constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes, sendo relevante
para todas as categorias de servidores públicos civis existentes no país,
notadamente em razão dos inúmeros movimentos grevistas que anualmente ocorrem
no âmbito dessas categorias e que fatalmente dão ensejo ao ajuizamento de ações
judiciais”, afirmou o ministro Dias
Toffoli.
A greve é um fenômeno social. Traduz a vontade coletiva de interromper a força de trabalho como forma emblemática de demonstrar que há flagrante desequilíbrio na relação entre o tomador e o prestador dos serviços. No caso do serviço público, essa iniquidade na correlação de forças é ainda maior, agravada pela insegurança jurídica.
O corte nos
vencimentos de servidores grevistas tem sido largamente empregado no âmbito das
três esferas de governo nos últimos anos, motivando o ajuizamento de inúmeras
ações alegando sempre o devido processo legal (Art. 5o, LIV, da CF/88), a dignidade da pessoa humana (Art. 1o da CF/88) e o direito à vida (Art. 5o da CF/88) como fundamentação jurídica para o pedido de nulidade dos atos administrativos que resultaram no corte.
A tática de cortar salários para enfraquecer movimentos grevistas foi utilizada pela administração municipal de Crateús em 2009, em movimento organizado pelo Sindicato dos Professores de Crateús, e já em 2012, na greve dos agentes de endemias, apoiada pelo Sindicato dos Servidores . Em ambos os casos, a justiça determinou a reposição das verbas retidas.
O AI 853275 tramita no STF desde novembro do ano passado e poderá entrar na pauta da Corte nos próximos meses. Um julgamento histórico que mobilizará entidades sindicais de todo o Brasil.